PANORAMA DA RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA EM SERGIPE ( I )

06/06/2011 00:00

 

 

Estamos envolvidos sob o manto de uma revolução digital e de um processo de convergência tecnológica, que  nos provoca a refletir sobre a configuração dos atuais meios de comunicação. Refletir sobre Radio comunitária ou TV comunitária deve-se ter em mente que o significado de comunitário representa o veículo da expressão social dos membros de uma comunidade local que partilha interesses comuns.

Radio comunitária é um meio de comunicação eletromagnético de baixa potência que se apóia na liberdade de expressão e só pode agir como tal em um regime democrático baseando-se nas Garantias e Direitos Individuais como premia a Constituição de 1988 em seu artigo 50, inciso 9º e nos pactos que envolvem os países ocidentais como o Pacto de São José da Costa Rica do qual o Brasil é signatário desde 1969.
A Lei 9.612/98, que criou o sistema de Radiodifusão Comunitária no Brasil expõe que a rádio comunitária deve ser de baixa potência, gerida por uma associação cultural comunitária sem fins lucrativos e fiscalizada por um Conselho Comunitário com pelo menos cinco representantes de entidades da comunidade. O seu transmissor deve ser de baixa potência, até 25 Wats, antena de até 30 metros e alcance de um quilômetro, com outros três quilômetros em volta sem nenhuma interferência de outra rádio.
Estudos realizados pela Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), concluiu que existem legalizadas no Brasil hoje em torno de 9,1 mil rádios e destas, 3,9 mil são rádios comunitárias e que há 12 mil rádios comunitárias no ar sem outorga. Há  disperso na burocracia do Ministério das Comunicações processos de solicitação de autorização para rádios comunitárias que tramitam há mais de 13 anos no Ministério das Comunicações, onde o tempo médio de tramitação dos processos é de três anos.
Percebe-se que é bastante insignificante o número de comunitárias autorizadas pelo Ministério das Comunicações. A pesquisa evidenciou ainda que 49% dos municípios brasileiros não possuem uma rádio comunitária autorizada, sem contar que dos 22,3 mil processos abertos no Ministério das Comunicações apenas 16% dos pedidos foram atendidos.
Em Sergipe a realidade não difere da do restante do país. Estão autorizadas a funcionar de acordo com o Ministério das comunicações 24 rádios comunitárias, sendo que 02 estão situadas na capital e as 22 nas cidades do interior. Destas em funcionamento 13 entidades já participou de Aviso de Habilitação, recebeu a autorização para executar o Serviço de Radiodifusão Comunitária conforme publicação de Portaria Ministerial, e cujo ato de autorização já foi deliberado pelo Congresso Nacional por meio de publicação de Decreto Legislativo e a entidade já conta com a Licença Definitiva devidamente assinada pelo Ministro das Comunicações.
Cerca de 07 entre as 24 emissoras autorizadas também participou de Aviso de Habilitação, recebeu a autorização para executar o Serviço de Radiodifusão Comunitária conforme publicação de Portaria Ministerial, e cujo ato de autorização já foi deliberado pelo Congresso Nacional por meio de publicação de Decreto Legislativo, no entanto a Entidade encontra-se em débito com a ANATEL, impossibilitando a emissão da Licença Definitiva. Apenas 03 funcionam amparadas sob licença provisória aguardando a expedição da autorização definitiva por parte do Ministério das Comunicações e 01 que apesar de ter participado do Aviso de Habilitação obtendo êxito, não recebeu a autorização para executar o Serviço de Radiodifusão Comunitária. Contudo, o Ministério das Comunicações já iniciou os procedimentos relativos à emissão da Licença Definitiva, que por sua vez apenas poderá efetivar-se mediante a indicação por parte da entidade do horário de funcionamento da emissora e a liberação do uso de radiofreqüência pela ANATEL. Deste modo o Ministério das Comunicações já deu início aos procedimentos de licenciamento e aguarda manifestação da entidade ou da ANATEL para a emissão da Licença Definitiva. Tão logo tais procedimentos sejam concluídos a Licença Definitiva será emitida e encaminhada à assinatura do Ministro das Comunicações para posterior envio à entidade.
Na capital sergipana há 02 emissoras de rádio comunitária regularizada pelo Ministério das Comunicações como também 01 em Aquidabã, 02 em São Cristovão, 01 na Barra dos Coqueiros 01 em Boquim, 01 em Canindé do São Francisco, 01 em Estância, 01 em Feira Nova, 01 em Itabaianinha, 01 em Itabi, 01 em Japoatã,  02 Lagarto, 01 em Moita Bonita, 01 em Neópolis 01 em Nossa Senhora da Glória, 01 em Poço Verde, 01 em Proprá, 01 Santo Amaro da Brotas, 01 São Domingos, 01 Tobias Barreto e 01 em Tomar do Gerú.
Há entidades que deram entrada no pedido de outorga há muito mais tempo do que a maioria das que estão em funcionamento e ainda não tiveram seus pleitos atendidos. Como exemplo três rádios comunitárias em Aracaju são pioneiras desde  o inicio da década de 1980, na luta por sua legalização e funcionamento. A Rádio Comunitária Carcará situada no Bairro América, a Rádio Jardim Centenário e a Rádio Comunitária São Conrado que há mais de 12 anos pleiteiam suas concessões.
Umas entidades são penalizadas por que a Lei 9.612/98 que regulamenta o serviço foi criada pensando num município de grande extensão territorial e esquecendo que Sergipe e seus municípios são pequenos onde os bairros mantêm bastante proximidade entre si. Reza a tal lei que uma comunidade existe no máximo em 4 km de seu entorno, impondo uma distancia entre uma e outra antena ao alcance de um quilômetro ou ainda três quilômetros em volta sem nenhuma interferência de outra rádio. Outras entidades a demora é atribuída a não intercessão de políticos visando a uma rápida concessão.
Sergipe hoje possui 125 pedidos requeridos por entidades legalmente constituídas protocolados no Ministério das Comunicações onde o mesmo informa insistentemente que elas não participaram de Aviso de Habilitação e cujos dados foram cadastrados junto ao Ministério, uma vez que apresentou sua demonstração de interesse em prestar o Serviço de Radiodifusão Comunitária. Outro tipo de informação é que aguarda publicação de Aviso de Habilitação para Sergipe ou ainda que constatou inviabilidade técnica por falta de indicação de coordenadas geográficas, por indicação de coordenadas geográficas fora da área municipal ou por constatação de impossibilidade de convivência entre esta entidade e outra já autorizada, o distanciamento menor do que 4Km. São essas entidades que após cansarem de esperar pela outorga passam a funcionar de modo precários em relação a lei e são rotuladas como “rádios piratas” pelo sistema de comunicação privado comercial hegemônico.  A Abraço Sergipe rejeita veementemente classificar estas rádios como piratas por considerar como comunitária toda emissora sem fins lucrativos que, mesmo sem a autorização governamental, seja aberta à participação da comunidade, tenha um conselho comunitário e possua uma gestão democrática.
Urge que o Ministério das Comunicações publique de forma periódica os avisos de habilitação para radiodifusão comunitária e que simplifique os processos de outorga para radiodifusão, por meio da diminuição do número de documentos exigidos pelo Poder Executivo.
A Lei 9612/98 possui como característica básica o seu aspecto restritivo e limitador apresentando vários problemas e costuma ser um empecilho para a conquista de uma rádio comunitária. Tudo começa pelo padrão da outorga, anterior à própria lei, e que passa pelo Congresso Nacional. Na média, um em cada três congressistas (deputados e senadores) é dono ou testa de ferro de emissora de rádio e/ou TV. A cada duas rádios comunitárias outorgadas, uma sai através da chamada “cota parlamentar” ou a partir da “bancada dos servos de Deus” católicos ou evangélicos. Cerca de 60% das concessões para rádio comunitária em Sergipe está sob a influência direta de políticos 30% com os religiosos e 10% ligada diretamente à comunidade onde está a entidade inserida.
Nos canais comerciais a situação é ainda pior. Todas as rádios e TVs comerciais conseguem suas licenças com a intermediação de algum político. As regras que regulam as telecomunicações no Brasil ainda apresentam muitos problemas e precisam de mudanças.
Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Rádioscomunitárias constatou que em Sergipe como no resto do Brasil a maioria das radio comunitárias não cumprem o seu papel conforme determina a lei e seus poucos regulamentos.
Em Sergipe apenas 30% delas pode ser classificadas como comunitária.  Aliado a esta questão está à morosidade dos processos, a lentidão do Poder Executivo em lançar comunicados de habilitação e o número de 15.500 processos de autorização de funcionamento arquivados. É fundamental colocar que uma concessão publica deve estar a serviço de toda a população e não pode continuar a atender interesses particulares de qualquer natureza inclusive ou, sobretudo, religiosos. Como a radiodifusão é um serviço público cuja exploração é concedida pelo Estado (laico), este serviço não pode ser utilizado para proselitismo religioso.
O livro "Rádios Comunitárias: Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo (1999-2004)", escrito pelo consultor legislativo Cristiano Aguiar e pelo professor Venício Lima, revelou que mais da metade das emissoras comunitárias autorizadas pelo Poder Público a operar entre 1999 e 2004 possuía vinculação com grupos religiosos ou sob orientação de um determinado grupo político que corresponde um atentado constitucional.A Lei 9.612/98 que regula o serviço de radiofusão comunitária não estabelece nenhuma fonte específica de recursos para as fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, que são as únicas entidades legalmente "competentes" para explorar os serviços de radiodifusão comunitária.
A Lei nº 11.652/2008 possibilitou recursos para a Radiodifusão pública pensando na recém criada Empresa Brasil de Comunicação e colocou a margem do dessa fonte de financiamento os canais comunitários e as rádios comunitárias.
É imperativa a criação de um fundo público específico, com recursos oriundos, por exemplo, dos leilões para concessões dos serviços de TV a cabo, que possibilite a viabilização e implantação dos canais comunitários, afim de que estes não tenham a necessidade de recorrer aos ditames da comercialização e a regra de mercado.
É possível apontar duas dimensões que podem ser determinantes para caracterizar uma emissora como comunitária: a origem do financiamento e o seu modo de gestão. Se os recursos financeiros que sustentam uma instituição originam-se fundamentalmente na comercialização de sua audiência no mercado publicitário, seu perfil terá dificuldades em se encaixar na noção de comunitária ainda que, ressalte-se, este opere um serviço público através de uma concessão pública, como ocorre com o rádio e TV. Caso a gestão desta instituição estiver restrita às decisões de proprietários privada com fins comerciais ou submetida a políticos de plantão. Também há objeções para defini-la como comunitária.
Assim, diante do contexto apresentado a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias entende que é necessário aprofundar o debate sobre a criação de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil, a reativação do Conselho de Comunicação Social que é um órgão auxiliar do Congresso Nacional, a criação dos Conselhos Estaduais de Comunicação e que a sociedade civil possa discutir os destinos da comunicação no Brasil através de audiências públicas.
 
Roberto Amorim Ferreira

 

Secretário Executivo da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias/Sergipe, Formado em Jornalismo pela Universidade Tiradentes, Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe e pós graduado em Didática do Ensino Superior pela Faculdade Pio Décimo.